Tuesday 27 January 2009

Vigilância na tropa de elite

Deu hoje no G1.

Bope vai mostrar operações na internet

Imagens gravadas pelos próprios policiais serão exibidas em site oficial.
Objetivo é passar a visão do policial no front, segundo capitão do batalhão.

Daniella Clark Do G1, no Rio

Vídeos feitos pela tropa de elite da Polícia Militar do Rio durante incursões em favelas do estado passarão a ser exibidos no site do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio, o Bope (www.boperj.org/).

“O objetivo é tornar o site mais interativo. É mostrar ao cidadão que procura o nosso site, que tem admiração pelo nosso trabalho, o que está acontecendo nas comunidades em que o Bope atua”, explica o comandante, coronel Pinheiro Neto.


Ainda segundo o comandante, algumas operações já são gravadas hoje em dia pelos policiais A ideia de levá-las para o universo virtual surgiu a partir de pedidos dos próprios internautas que visitam o endereço dos “caveiras” - símbolo do batalhão - na internet.

Visão do front

Os vídeos são feitos por policiais que já atuaram na linha de frente do Bope e hoje têm a missão de documentar as operações. No vídeo feito na Cidade de Deus - os trechos acima - havia policiais com câmeras acompanhando três frentes da operação. Um deles estava no blindado, outro no helicóptero e um terceiro acompanhou os policiais que entraram a pé na comunidade.

Parte das imagens foi feita através de um buraco num bloco de concreto, que serve de abrigo aos criminosos nos confrontos com a polícia. O vídeo mostra ainda a destruição de barreiras erguidas por traficantes nas ruas da comunidade.

“Nossa intenção é passar a visão do policial no front”, explica o capitão Ivan Blaz, chefe da Seção de Comunicação Social, onde todo esse trabalho é coordenado.

“Queremos também dar legitimidade para nossos vídeos. Hoje em dia, 70% dos vídeos atribuídos ao batalhão no (site) YouTube, por exemplo, não são do Bope. Seremos uma fonte para que as pessoas conheçam a nossa realidade”.

Princípios e oração

A expectativa é que os vídeos estejam disponíveis a partir do segundo semestre, quando o site passará por uma reformulação. Na sua última reforma, em outubro de 2008, a home page começou a exibir fotos de operações e ações sociais desenvolvidas na sede do batalhão, em Laranjeiras, Zona Sul do Rio. A última versão traz ainda o histórico, os princípios e a oração que motiva os 400 policiais que compõem o batalhão.

No futuro, o Bope pretende disponibilizar ainda resultados das operações on-line, com textos produzidos pelos próprios policiais. O internauta poderá saber também onde o batalhão está atuando, em tempo real.

“Muitos que nos escrevem querem saber também um pouco mais sobre as operações”, explica o comandante.

Página chegou a ter 40 mil acessos

No auge da febre do filme “Tropa de elite” e do capitão Nascimento de Wagner Moura, em 2007, o site chegou a ter 40 mil acessos por dia. Hoje, cerca de mil pessoas acessam a página diariamente.

O Bope recebe ainda cerca de 800 mensagens por mês: a maior parte delas com dúvidas sobre como ingressar na tropa.

Who Watches the Watchmen?



Ao afirmar que o plano-seqüência é a forma mais verdadeira de expressão cinematográfica, por impossibilitar a produção de falsas acepções causadas pela edição, o crítico e teórico de cinema André Bazin estava, de certa maneira, preconizando a formação da verdade absoluta que dominaria o cotidiano dos seres humanos nas eras contemporânea e digital; a de que as lentes das câmeras de vigilância, atentas vinte e quatro horas por dia, não mentem.

A comprovação de uma suspeita através do olhar externo é requisito básico do julgamento humano porque o próprio homem é dependente do registro de terceiros para a externalização de suas suspeitas, utilizando a visão que mais se adapta à sua como maneira de comprovar a tese por trás de sua linha investigativa. A imagem, seja ela fotográfica ou em vídeo, é a ferramenta de aplicação mais natural para este fim.

Estudos na França durante o século XVIII levaram à manufatura de câmeras capazes de fotografar as imagens impressas na íris humana. A questionável utilização dessas máquinas como prova de um crime acontecia caso elas fossem utilizadas poucas horas após a morte de uma pessoa em circunstâncias não muito claras. Teoricamente, a última imagem enxergada pela pessoa ficaria retida em sua íris por algum tempo; supostamente, esse borrão seria o rosto de seu assassino. Na maioria das vezes, a imagem não podia servir como prova de um crime. A técnica, porém, foi usada diversas vezes como prova em tribunal e chegou a condenar dois réus por assassinato. Atravessando mais de cem anos, a referência a Blow Up (1966), de Antonioni, é inevitável.

A busca objetiva do olhar humano por aquilo que é claro e direto pode explicar o porquê da progressiva redução na complexidade narrativa no cinema contemporâneo popular. Cada vez mais, a total entrega e a máxima clareza do que se passa na tela surgem como necessidades básicas para o sucesso comercial de uma película. O espectador busca imagens que assegurem ao seu cérebro estar enxergando peças de um quebra-cabeça que sem a menor dúvida o levarão a concluir algo indiscutível ao término da projeção.

A necessidade do acontecimento constante e o aproveitamento de cada quadro como ferramenta para a adição de uma nova informação parecem transformar o cinema em uma edição do grande material bruto que são as imagens gravadas através de câmeras de vigilância. Alguém que destinar-se a usufruir do aspecto contemplativo e zen de sentar-se em frente a uma tela conectada a um sistema de vigilância encontrará, ali, diversas imagens de potencial dramático. Essa estética pode ser encontrada no cinema em Koyaanisqatsi (1983), de Godfrey Reggio. Ao abrir mão de contar uma história linear, este longa-metragem pede a quem o assiste que formule suas próprias teorias para o que se vê. Godard afirmou uma vez que “todo documentário quer ser um filme de ficção e todo filme de ficção quer ser um documentário”. A interpretação do espectador ao que vê é vital para a conclusão de que o que vê é verdade, assim como ao encarar qualquer tipo de obra de arte. Não há verdade absoluta, portanto. Há apenas a verdade individual, aferida pela convergência de diversos pontos de vista em um só.

A crescente necessidade do controle por parte da sociedade explica a expansão cada vez mais expressiva das redes de vigilância. O panóptico de Jeremy Bentham, descrito por George Orwell em seu profético livro 1984, tornou-se realidade, curiosamente, não porque vivemos em um regime totalitário que a tudo e a todos quer controlar, mas porque as barreiras impostas pela era contemporânea supostamente transformaram-se em portais da era digital. O homem diminuiu distâncias, potencializou a interatividade e estendeu a alta definição da imagem aos mais minúsculos dispositivos equipados com uma tela, em um regime alardeado como o mais livre de toda a história da civilização. O caos não existe sem o cosmos; portanto, há de haver um sistema regulador para tamanha liberdade. A construção da genética perfeita, brilhantemente representada na ficção-científica Gattaca (1997), de Andrew Niccol, é outra das formas de controle buscadas pelo homem, desta vez, uma vigilância que permita prever o futuro, e não memorizar o passado.

A proliferação das câmeras PTZ (pan tilt zoom) é natural e já faz parte do cenário urbano há tempos. As novas gerações já nascem sem estranhá-las, como se fossem elas a garantia da segurança de poderem fazer o que quiserem: há alguém a vigiá-las e protegê-las. Concretizando ainda a máxima de Orwell de que “liberdade é escravidão”, a memória proporcionada pelas imagens digitalizadas torna-se uma arma poderosíssima nas mãos da acusação. Se não há memória, não há fato.

A fomentação da crítica aos sistemas de vigilância torna-se vital para a construção de uma consciência coletiva acerca da questão. A incorporação sistemática dessa tecnologia pela arte é, portanto, nada mais do que natural, pois da arte e por causa da arte surge a crítica. A escalada midiática da exposição da vigilância pelas instituições governamentais atingiu seu ápice durante os dois mandatos do presidente norte-americano George W. Bush, quando o investimento em vigilância foi intensificado com a famigerada justificativa do combate ao terrorismo. Ao mesmo tempo, a apropriação desse paradigma pelo cinema comercial hollywoodiano é cada vez mais evidente. O filme mais lucrativo de 2008, The Dark Knight, de Christopher Nolan, traz Batman transformando todos os celulares de Gotham City em dispositivos de vigilância de modo a encontrar seu arquiinimigo. Um dilema ético, porém, o faz perder um de seus maiores aliados. Percebe-se, portanto, que a crítica feita pelo pequeno circuito de arte expandiu-se a um patamar mais abrangente, embora, ainda assim, essa referência escancarada passe despercebida por alguns espectadores.

Em A Conversação (1974), Francis Ford Coppola elabora um dos mais ricos manifestos a respeito da vigilância na era contemporânea. O filme tem início com um plano-seqüência referencial dos telescópios de longo alcance. Por um bom tempo, a câmera acompanha um homem que nada tem a ver com a ação que se desenrolará e que de fato terá importância para o enredo. Coppola quer mostrar, logo em seus primeiros minutos, que o que estamos acompanhando como verdadeiro é propenso a questionamentos. O belíssimo plano final, composto apenas de movimentos similares aos de uma câmera PTZ, é a comprovação de que, na verdade, a vigilância tal qual a entendemos é uma prática impossível. Quem vigia também tem de ser vigiado, senão não há vigilância. A contradição desse suposto caráter zeloso e protetor remete a Watchmen, obra-prima de Alan Moore, considerada a mais importante graphic novel de todos os tempos. Na sentença quintessencial de sua história, o autor indaga: “Who watches the Watchmen?”.

Estética do vigilante

Introdução
Somos vigiados. Somos vigiados desde que nascemos, seja por nossas mães, ou pelas enfermeiras que fazem os primeiros exames. Quando pensamos em vigilância, usualmente, tendemos a olhar apenas para seu lado mais opressor e, por isso mesmo, medonho. Tememos a possibilidade de nossa liberdade ser, de alguma maneira, atingida e impedida. Pensamos que uma vez vigiados somo então controlados.

Porém esquecemos que a vigilância está presente em nossas vidas antes mesmo de termos discernimento para escolher entre o sim e o não, o quente e o frio. Além de sermos vigiados, também vigiamos. Gostamos e exercemos o papel de saber o que os outros fazem, falam, comem e bebem, se reciclam seu lixo ou o jogam no chão. Posto isso, penso, dar a vigilância a banalidade do corriqueiro apenas me distrai do verdadeiro sentido, talvez muito mais antropológico, por que vigiamos, por que queremos ser vigiados?
Em um mundo de crescente tecnologia a possibilidade do rastreamento se torna cada vez mais presente e real. No entanto, diferente dos antigos contos e romances apoteóticos, não fomos obrigados a usar esses dispositivos, mas, sim, os escolhemos, aceitamos e passamos a alimentá-los. E aqui entra meu principal questionamento, estamos passivos ante aos mecanismos de vigilância digital?

Vigia-me ou te devoro
Enquanto pensamos na involuntariedade da vigilância, deixamos passar a necessidade do ser vigiado, do ser visto, do querer ser visto, do querer ser amado que algumas pessoas têm. Na extensa lista de redes de relacionamento hoje disponíveis na internet é fácil encontrar exemplos disso. Pessoas que a todo custo buscam, não a fama, mas a visibilidade. E reduzindo isso a uma escala menos estereotipada, qualquer um que usa esse sistema está ali tanto para ver, quanto para ser visto.
Merleau-Ponty nos mostra exatamente isso e mais, quando fala que ao ver, o observador se revela. O seu ato o denuncia. Ponty nos apresenta um grande quebra-cabeça em que o observado (ou a sua imagem) é construído através da somatória das observações feitas sobre ele mais as observações que ele faz. Pois ver é ser visto. E isso se transformou, agora, em ser é ser visto.
Colocando isso em termos necessariamente mais práticos, que no nosso caso o Orkut se encaixaria muito bem, para entender assim o profile de uma pessoa, teríamos de analisar quem e o que ele acessa e quem o acessa. Juntando essas informações poderíamos então traçar um perfil ou encaixar essa pessoa em um. Em outro exemplo, no Twitter, rede social de microblogs, podemos seguir as pessoas, recebendo assim suas mensagens em nossa página. Esse caso é ainda mais gritante, pois o meu profile é claramente construído através das minhas observações aos outros.
Estamos inseridos em uma sociedade de controle e nela fomos transformados em cifras, idéia apresentada por Deleuze, e no mundo da internet, em código binário. Somos um dado, deixamos de ser um nome, uma assinatura, somos informação. E ainda passamos de meros usuários a alimentadores do sistema. Muitas vezes nem sabemos que nossas ações estão sendo monitoradas, computadas e catalogadas.
Esses dados podem ser então indicadores de tendências e gostos, somados podem mostrar tanto o que um indivíduo quer, quanto em maior escala, prever qual é o interesse de um grupo. Como destaca Fernanda Bruno em relação à vigilância digital,

“Na atualidade, trata-se sobretudo de ver adiante, de prever e predizer, a partir dos cruzamentos e análises de dados, indivíduos e seus atos potenciais; seja para contê-los (como no caso de crimes, doenças, em que tende a predominar uma vigilância preventiva), seja para incitá-los (como no caso do consumo, da publicidade e do marketing)”.

É uma vigilância da predileção, onde através da coleta de dados se pode tentar prever algumas das inúmeras possibilidades que compõem a vida.
Bruno ainda destaca que mesmo essa previsão sendo, muitas vezes, apenas uma possibilidade ou dados que se encaixam em perfis pré-estabelecidos, ela se torna real e efetiva ao impedir ações de algo ou alguém ou o incitar a cometê-las. Houve uma transformação do pensamento vigilante da sociedade de disciplina para a sociedade de controle, antes, como coloca Deleuze, o foco era o ato de produzir, hoje o produto. Bruno completa ao entender o papel da vigilância digital nessa sociedade, “ela pretende agir sobre a ação possível de indivíduos ou grupos, em vez de querer reformá-los, como na vigilância disciplinar.”
Porém diferente de algo que para nós se apresenta como novo, o aspecto vigilante da internet é inerente a esta desde sua fundação. Ela, ou a forma como a conhecemos, baseada no par de protocolos TCP/IP sempre trouxe a idéia do rastreio e do direcionamento. O TCP que quebra nossas informações para serem transportadas em pequenos blocos e o IP que as endereça e mostra seu caminho. Mesmo que seja uma prática não regulada e, até mesmo, de certo ponto criminosa, sempre foi possível entender tanto para onde iam e o que continham nossos pacotes de informação. Logo não é de se estranhar que Bruno diga, “a vigilância se confunde hoje com a própria paisagem do ciberespaço.” Não apenas a paisagem, mas também seu subsolo e núcleo.

O (de)gênero humano
De certo ponto pareceria ilógico pensar que a vigilância digital é silenciosa e esse silêncio se daria em dois níveis, a sua resposta seria secreta e sua presença escondida. A primeira já vimos por todo esse trabalho é irreal, mas e a segunda? Saberiam os usuários que estão sendo vigiados e até mesmo manipulados? E o que fariam se descobrissem? Como Bruno mostra no início de seu trabalho, está presente nos termos de uso dos serviços do Google (e pensa-se que outros sites façam o mesmo) tudo o que eles fazem com os dados, logo caso alguém tenha lido (e todos supostamente deveriam ler para usar esses serviços) está ciente disto.
No entanto, não só sabemos como nos utilizamos desses mecanismos para produzir efeitos diversos e aqui se encontra o grande ponto deste trabalho e, que é para mim, o grande fator que inibe a possibilidade da existência, tanto agora quanto no futuro, de um modelo de controle parecido com o medonho 84, a interferência.
Internautas brasileiros ao perceber o mecanismo de indexação de palavras disponível no buscador do Google começaram a ligar palavras para produzir piadas. Dessa maneira quando se buscava no Google “atriz gorda”, na página de resultados o Google mostrava a seguinte frase logo no início: “Você quis dizer Preta Gil”. Esse mecanismo relaciona as palavras procuradas aos sites mais clicados e fornece essas associações para facilitar a vidas dos pesquisadores.
O que esse episódio ilustra é a fragilidade desses sistemas de coleta de informação, sendo possível, uma vez descoberta a fonte, produzir efeitos desejados nesses sistemas. Algo que não podemos deixar de lembrar é que o que se passa por passividade pode ser na verdade a negação de uma atitude. A vontade de não fazer. O querer ficar parado.

Bibliogafria
BRUNO, F. Dispositivos de vigilância no ciberespaço: duplos digitais e identidades simuladas. Revista fronteira, São Leopoldo/RS, v. VIII, p. 152-159, 2006.

DELEUZE, Gilles. Conversações: 1972-1990. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, p. 219-226.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Tradução de Carlos Alberto
Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 103-110


Texto escrito por Leonardo Nunes para a disciplina Estética da Vigilância - ECO/UFRJ
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